O QUE VOCÊ PRECISA APRENDER SOBRE O ASSUNTO
A experiência de especialistas que mais entendem do assunto no mundo das drogas, estudos mais recentes e a vida de quem se tornou dependente.
Tudo para você saber exatamente quais perigos está correndo, sem ter que experimentar.
MACONHA
O que é? Uma mistura de flores e folhas secas da planta Cannabis sativa, que tem altas concentrações de THC. No Brasil, maconha costuma ser vendida prensada (amassada para ocupar pouco espaço), o que facilita o tráfico.
Quando se tornou ilegal: Em 1830, rolou a primeira lei no Brasil, proibindo o uso e a venda da droga no Rio de Janeiro. Antes disso, e há pelo menos 2 mil anos, ela era usada para saúde. Na China, maconha era remédio para prisão de ventre, cólicas menstruais e falta de apetite. Na Índia, era ingrediente essencial da medicina ayurvédica e, para os budistas da tradição Mahayana, foi graças à dieta de uma semente de maconha por dia que Buda atingiu o Nirvana.
Tempo para fazer efeito: 5 minutos. E pode durar até 6 horas.
Sensações que dá:
• Relaxamento. A pessoa fica “aérea”, ri à toa, perde a noção do tempo.
• Mais sensibilidade – a audição, por exemplo, fica mais aguçada.
Efeitos colaterais:
• Zero de concentração. A maconha afeta o hipocampo, uma espécie de carteiro do aprendizado: ele leva as informações que chegam no cérebro até a memória. Se esse carteiro está “dopado”, não trabalha bem. Por isso, sob efeito da droga, não dá para entender uma aula de matemática.
• Falta de equilíbrio e coordenação motora, 2 coisas indispensáveis para tarefas como dirigir (com segurança, pelo menos).
• Olhos vermelhos. A droga dilata os vasos sangüíneos.
• Larica. O THC interfere na parte do cérebro que regula a fome.
Riscos a longo prazo: Maconha é a droga ilegal mais popular no mundo, mas ainda sabemos pouco sobre seus riscos. Por exemplo, já sabemos que sua fumaça tem mais substâncias cancerígenas que o cigarro, mas ainda não há provas de que ela cause câncer. Os médicos também já descobriram que a droga interfere no sistema reprodutor, mas ainda não têm certeza se isso diminui a fertilidade. Mas atenção: o fato de não haver provas de que cause tal problema não prova o contrário, ou seja, que ela não causa o problema.
Risco de dependência: Baixo. De 5 a 8% dos usuários ficam viciados (mas, para esses, a dependência é séria e causa até crises de abstinência). Mais de um baseado por semana, durante 3 meses, já pode levar a sintomas de abstinência.
É verdade que quem fuma maconha fica lesado? Ninguém sabe de verdade se é assim que a coisa funciona. O estereótipo do maconheiro é um cara paradão, sem disposição para nada. Esse estado tem até um nome científico: “síndrome amotivacional” e costuma acontecer com jovens que fumam muita maconha, por muito tempo. Só que não existem provas científicas de que a leseira permanente seja culpa da maconha. É um problema parecido com o do ovo e da galinha. O cara prefere passar o dia ouvindo Bob Marley em vez de estudar porque fuma maconha? Ou fuma maconha porque nunca gostou de estudar e curte as idéias do jamaicano? Para ter certeza, precisaríamos saber como esse garoto seria se nunca tivesse tido contato com a maconha. E, na prática, isso é impossível.
A maconha prejudica a memória para sempre? Não. A maconha afeta a memória enquanto alguém fuma. Se a pessoa pára, a memória volta à forma original. Para a maconha causar danos permanentes seriam necessárias doses altíssimas de THC – os cientistas só registraram a morte de neurônios em ratinhos de laboratório que recebiam injeções constantes de THC, direto no sangue.
COCAÍNA
O que é? Um pó branco feito a partir das folhas de coca, vendido em saquinhos de plástico (chamados de papelotes).
Quando se tornou ilegal:No Brasil, a proibição veio em 1921, depois que muita gente começou a morrer por overdose. A primeira vez que alguém extraiu o pó branco da planta de coca foi em 1862. Nessa época, a substância começou a ser usada como anestésico para cirurgias e, logo, era vendida em farmácias como um remédio “excelente contra o pessimismo e o cansaço”.
Tempo para fazer efeito: Menos de 5 minutos. E desaparece em cerca de meia hora.
Sensações que dá:
• Euforia. A cocaína aumenta a concentração de uma substância que é sinônimo de prazer: a dopamina (a mesma substância que seu cérebro libera quando você faz sexo ou come chocolate, só que a cocaína faz ela chegar a níveis que nenhum orgasmo proporciona).
• Estado de alerta. A droga aumenta a liberação de adrenalina, o hormônio das situações de perigo. Isso deixa a pessoa em alerta, “ligadona”.
Efeitos colaterais:
• Aumenta o risco de enfarto em 24 vezes, mesmo em quem não tem nenhum problema de coração. A adrenalina faz seu coração bater mais rápido e contrai até os músculos que envolvem os vasos sanguíneos. Ou seja, fica muito difícil para o coração bombear o sangue por aqueles canaizinhos. Às vezes ele não agüenta, e pára.
• Uma espécie de depressão, da hora que o efeito acaba até 2 dias depois. É quando o cérebro está repondo as reservas de dopamina.
Riscos a longo prazo: Quem usa perde a vontade de fazer qualquer outra atividade, porque o sexo e as outras coisas que antes davam prazer viram brincadeira de criança quando comparadas ao efeito de uma dose forte de cocaína. Como é cheirada, a cocaína também leva a problemas respiratórios, como rinite.
Risco de dependência: Alto. 40% de quem usa fica fissurado por outra dose assim que o efeito passa. O problema é mais grave porque cocaína causa tolerância imediata: é preciso uma dose cada vez maior para obter o mesmo efeito. Quem pára tem problemas sérios de motivação.
É verdade que…
… traficantes misturam farinha na cocaína?Farinha não é a susbtância mais comum, mas a cocaína vendida nas ruas do Brasil está longe de ser pura. Um levantamento feito pela polícia, em 2005, mostrou que um quinto da cocaína vendida nas ruas de São Paulo tem menos de 10% de… cocaína. Isso mesmo. 90% do pó branco que os traficantes vendem por aí é feito de qualquer coisa bem barata, que engana o comprador e aumenta o lucro de quem vende. As substâncias que mais aparecem na mistureba são estimulantes e anestésicos, maisena, bicarbonato de sódio, talco e até gesso.
… um fio de cabelo entrega se você usou? Sim. Nosso cabelo é como se fosse uma impressão digital de tudo que consumimos. A posição dos resquícios no fio mostra se a droga foi usada há pouco tempo (próxima da raiz) ou muito tempo (mais para a ponta). Como o cabelo cresce em média 1 centímetro por mês, dá para calcular o consumo mês a mês, num período de até 90 dias. O teste pega qualquer tipo de droga e mesmo em doses pequenas. Aqui no Brasil, tem uma empresa que oferece o serviço e manda o fio de cabelo suspeito para um laboratório nos Estados Unidos.
ECSTASY
O que é? Uma droga sintética (ou seja, é feita em laboratórios e não de uma substância natural) feita de metilenodioximetanfetamina, ou, para os íntimos, MDMA. É vendida em comprimidos com, no máximo, 30% do princípio ativo.
Quando se tornou ilegal: Em 1985, 63 anos depois de sua invenção. O ecstasy foi criado meio sem querer. Um farmacéutico queria achar um moderador de apetite e chegou ao MDMA. Só que ele percebeu que o remédio tinha muitos efeitos colaterais e arquivou a descoberta. 50 anos depois, um outro cientista retomou as pesquisas com MDMA porque queria descobrir um remédio para aumentar a libido. Criou o ecstasy e o apelidou de “droga do amor”.
Tempo para fazer efeito: Uma hora. O pico acontece 2 horas depois e o barato dura 6 horas.
Sensações que dá:
• Bem-estar. O MDMA estimula a liberação de grandes quantidades de serotonina, substância que também regula as sensações de prazer.
• Alucinações táteis – a pessoa fica ultra-sensível ao toque.
• Aumento na afetividade (daí o apelido “droga do amor”).
Efeitos colaterais:
• Aumento da temperatura do corpo, que pode causar febre alta.
• Desidratação. Seu coração bate mais rápido. Isso, para quem está com o corpo quente e dançando sem parar, leva à perda excessiva de água.
• Ranger de dentes e pupilas dilatadas.
Riscos a longo prazo: Rola muita polêmica sobre isso. Em 2002, o cientista que mais estuda MDMA no mundo disse que uma única dose aumenta as chances de Mal de Parkinson. Só que, em 2003, ele admitiu que estava errado e fez todo mundo desconfiar dos estudos sobre os perigos da droga. De uma coisa, no entanto, eles têm certeza: em grandes quantidades, ecstasy prejudica o fígado. Os cientistas também suspeitam que a droga cause depressão.
Riscos de dependência: Incerto. Tem estudo que diz que só 3,8% das pessoas ficam dependentes. Outros falam em 35%. O que se sabe é que o ecstasy não dispara compulsão física por novas doses e não causa abstinência. Mas pode causar dependência psicológica: tem gente que só consegue se divertir numa festa se tem uma “bala” para tomar.
É verdade que…
… dá para morrer de tanto tomar água? É raro, mas acontece. Em 1995, a inglesa Leah Betts bebeu uns 7 litros de água em uma hora e meia e morreu. Ela tinha tomado um ecstasy e achou que estava se protegendo da desidratação. Só que não sabia que mais de um litro de água por hora é perigoso. O que rola é o seguinte: normalmente, nosso corpo elimina água fazendo xixi. Só que, por causa do ecstasy, o rim começa a mandar água de volta para a circulação, e não para a bexiga. Aquele tanto de água acaba diluindo os sais do sangue que, mais ralo, entra nos órgãos, inclusive no cérebro, e leva à morte. Isso não significa que o melhor é não beber líquido, mas que o ideal é beber algo com sais minerais, como Gatorade. E sem grandes exageros.
… que ecstasy dá espinhas? Não. Essa é uma crença comum, só que não há provas de que a droga tenha qualquer relação com o aparecimento de espinhas. O que rola é que o consumo de ecstasy – e de drogas, em geral – costuma vir acompanhado de coisas que fazem mal para a pele: beber álcool (que detona o fígado) e dormir na volta da balada sem tirar a maquiagem são 2 exemplos.
LSD
O que é? Uma droga feita de uma substância química natural, encontrada num caramujo. A sigla LSD vem de Lysergsäurediethylamid (quê?), palavra alemã para dietilamida de ácido lisérgico (ah!). Alguns microgramas (bem pouco mesmo, porque a droga é muito potente) são diluídos em água e um pedacinho de papel é colocado nessa mistura. Depois que a água seca, o papel retém a droga.
Quando se tornou ilegal: Em 1965, nos EUA, e em 1971, no resto do mundo. Antes disso, a droga fez a festa dos jovens dos anos 50 e 60 e foi usada em várias pesquisas para curar doenças. O LSD ficou conhecido em 1943 quando um químico suíço engoliu, sem querer, um pouco de uma poção esquecida nas suas prateleiras. Ele teve uma viagem tão alucinante que repetiu a experiência 3 dias depois para ter certeza do que tinha vivido.
Tempo para fazer efeito: De uma a 2 horas.
Sensações que dá:
• Alucinações. A pessoa vê e ouve coisas de forma exagerada e distorcida. Tem quem fique deslumbrada com isso, mas muita gente entra, literalmente, em pânico (são as chamadas bad trips).
Efeitos colaterais:
• Aumento da temperatura do corpo.
• Aumento da pressão arterial.
• Confusão mental.
• Nenhuma capacidade de concentração.
Riscos a longo prazo: A ciência não entende exatamente por quê, mas uma parte de quem toma muito LSD sofre os chamados “flashbacks”. De repente, dias ou semanas após a última dose, a pessoa volta a sentir efeitos da droga. Em quem tem predisposição a doenças psíquicas, a droga acelera o desenvolvimento.
Risco de dependência: Inexistente. Ao contrário de outras drogas, o LSD não faz o usuário querer repetir a dose compulsivamente. Os cientistas perceberam isso quando deram várias drogas a ratinhos cobaias e ensinaram a eles onde poderiam conseguir mais. Com heroína, cocaína, álcool ou maconha, os ratinhos tomavam todas as doses disponíveis. Com o LSD, eles experimentaram a droga uma única vez (não deve ser à tóa, né?)
É verdade que…
… você não pode mais ser preso se for pego com drogas? Sim. No dia 23 de agosto, passou a vigorar no Brasil uma nova lei. Agora, quem é pego usando não pode mais ser preso. Só que isso não significa que a droga deixou de ser crime. “Quem for pego em flagrante vai do mesmo jeito para a delegacia, presta depoimento e deixa de ser réu primário”, diz a advogada Janaína Conceição Paschoal, da Faculdade de Direito da USP.
O que mudou foi a punição. No lugar de passar uns meses no xadrez, o cara vai ter que prestar serviços comunitários e/ou freqüentar um curso sobre entorpecentes durante 5 meses. Se não for a primeira vez, a pena dobra para 10 meses. Além de aliviar para o usuário, a nova lei endureceu com o traficante, cuja pena mínima pulou de 3 para 5 anos na cadeia. O problema da nova lei brasileira é que ela não é clara sobre a diferença entre os 2 tipos de crime. Não existe, por exemplo, uma quantidade específica de cada droga para diferenciar usuário e traficante. “E isso dá muito poder à polícia. O delegado pode interpretar que a pessoa detida é um traficante e fazê-la esperar o julgamento na cadeia. E isso pode significar mais de um ano preso”, diz Janaína.
LANÇA PERFUME
O que é? Um odorizador de ambientes (isso mesmo, é feito para deixar um cheirinho bom na sala ou no quarto) que virou moda graças ao preço baixo e à facilidade para comprar. Ele faz parte do grupo das drogas inalantes – que também inclui o clorofórmio (loló) e a cola de sapateiro.
Quando se tornou ilegal: No Brasil, em 1961. Antes, lança-perfume era o hit dos bailes de Carnaval e todo mundo cheirava livremente. Na Argentina, que produz o famoso tubinho “Universitário”, a droga só foi proibida em abril de 2005. A polícia diz que os lança-perfumes que continuam chegando no Brasil são os últimos lotes da produção de lá e que, em breve, a festa vai acabar.
Tempo para fazer efeito: imediatamente após inalar. E passa muito rápido.
Sensações que dá:
• Anestesia dos sentidos. Os inalantes diminuem o ritmo de funcionamento dos neurônios.
• Perda da inibição e do autocontrole. Essas reações vêm depois de muitas doses. É como se a pessoa estivesse bêbada.
Efeitos colaterais:
• Perda de consciência. Tem gente que desmaia quando inala (por causa da queda de pressão) e isso leva a um efeito colateral ainda pior: ao perder a consciência, você corre o risco de cair ou se afogar. Esses acidentes matam mais que o consumo da droga em si.
• Necessidade de consumir mais, assim que o efeito passa.
• Morte. Algumas pessoas só precisam de uma dose de inalante para sofrer paradas do coração, mesmo que elas sejam jovens e saudáveis.
Riscos a longo prazo: Os inalantes podem causar danos irreversíveis ao sistema nervoso, se você usar por muito tempo. A cola de sapateiro, por exemplo, destrói uma parte dos neurônios, causando uma espécie de retardamento mental. Os rins e o fígado também sofrem, sem conseguir eliminar o excesso da droga.
Risco de dependência: Médio. Uma pesquisa de 2004 com jovens de 12 a 17 anos, nos Estados Unidos, descobriu que 11% dos que consumiram inalantes há menos de um ano tinham sintomas de dependência.
Diário de viagem
Nossa repórter passou um dia numa clínica de reabilitação e conta como é a vida de quem não voltou numa boa de uma experiência com drogas
Eram 9 da manhã quando passei pelo detector de metais da clínica de reabilitação Maxwell, em Atibaia, São Paulo. Se não fosse por isso – e pelas cercas elétricas lembrando que ninguém está aqui porque quer – seria fácil imaginar que eu estava num hotel cinco estrelas. Às 9h15, no encontro terapêutico, fui apresentada aos internos. Gabi tem 20 anos e chegou há 2 meses e meio: crack. Marisa tem 33 e está por lá desde os 27: heroína. Seu Antonio tem 68 e é a segunda vez que aparece: álcool. Eduardo, que já foi e voltou mais de 60 vezes, a primeira aos 18, tem 38 anos: cocaína. Gabi foi internada pelo pai, que só percebeu que ela fumava crack quando as folhas de cheque começaram a sumir. O jeito foi desembolsar um cheque gordo e levar a filha, à força e amarrada, para a clínica. Ela mora na área vip: são 30 mil reais por mês.
O tratamento dura no mínimo 4 meses, e pode levar anos. “Você chega e fazem vários exames, não dá para esconder nada dos pais. Um monte de gente em cima: psiquiatra, psicólogo, enfermeira… Aí te internam e você vê que está sozinha. É você e você pensando, pensando, pensando… é foda”, diz Juliana, 19 anos, internada há um mês: LSD e maconha. Na clínica, os pacientes têm várias atividades: malham, pintam, assistem a TV, dormem, comem ou procuram maneiras de burlar as regras. Gabi mente sempre que pode – inventa para o pai que está sendo espancada, que a tratam mal, tudo para sair dali. Para quem é viciado, não fumar crack é difícil, dá dor de cabeça, ansiedade e falta de ar. Para esquecer, Gabi toma calmantes, faz bijuterias de miçanga e come 10 bombons Ouro Branco antes de dormir. Sem droga e bem alimentada, ela está gordinha, mas quando chegou era só pele e osso. O crack é um poderoso inibidor de apetite. E de muitas outras vontades também.
Quando lembra da vida que levava, Gabi jura que nunca mais vai fumar, mas, no minuto seguinte, diz que o que mais sente falta é do crack e dos amigos e que não vê a hora de sair e que precisa ligar e que precisa sair, precisa sair e sai andando. Eu fico falando sozinha. “Tenho medo de ficar como as pessoas daqui… Chegar num ponto em que é irreversível”, diz Juliana. Não é um medo infundado: 70% dos viciados têm recaídas. Não é um buraco fácil de escalar, esse das drogas.”Quando sair daqui quero terminar a faculdade de turismo, que tá trancada, e trabalhar”, diz Juliana. Gabi quer a mesma coisa, assim como Pedro, 26, que morava em Londres e chegou ontem na clínica; e João, 25, que tomou chá de cogumelo uma vez e nunca mais voltou da viagem.
João é daqueles casos que desconcertam as estatísticas. Os amigos dele, que beberam do mesmo chá, seguiram a vida, são pessoas comuns. João nunca mais foi o mesmo – ele teve um surto esquizofrênico depois da experiência. Quando o tratamento vai chegando ao fim, o interno passa por um período de “desmame”: sai da clínica de vez em quando para se acostumar à vida fora. E para que dê tempo de avisar todo mundo que fulano volta do “intercâmbio” no dia tal. A Gabi, por exemplo, está nos EUA estudando. Juliana viajou com uns amigos e Pedro contou ao pessoal de Londres que ia passar um tempo visitando parentes no Brasil. Todos eles, sem data programada para a volta.
* Todos os nomes citados são falsos, para preservar a identidade dos entrevistados.
Quem deu as informações • Fabrizio Schifano, psiquiatra, professor de farmacologia clínica da University of Hertfordshire, Inglaterra; Silvia Saboia Martins, pesquisadora do Departamento de Saúde Mental da Escola de Saúde Pública John Hopkins, EUA; Dartiu Xavier da Silveira, psiquiatra especializado em dependências químicas e professor da Escola Paulista de Medicina, Unifesp; Adriano Maldaner, químico, perito do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal; Riad Naim Younes, pneumologista do Hospital Sírio Libanês e professor de medicina da USP; Janaína Conceição Paschoal, da Faculdade de Direito da USP; Luiz Fernando Lapa das Neves, psicólogo da clínica de reabilitação Maxwell
Agradecimentos • Amanda Alonso, terapeuta ocupacional, e Evelyn Duarte Vasques, psicóloga, da clínica Maxwell
ENTREVISTA COM MAURO GODOY:
1- Como saber se os filhos estão usando drogas? Quais os pontos que devem ser observados no
dia-a-dia?
R: O jovem na adolescência tem mudanças repentinas e naturais que muitas vezes podem se confundir com as mudanças de comportamento que um usuário de droga também tem.Portanto, devemos ter cuidado para não generalizar e acabar nos tornando inimigos dos próprios filhos.
Depois disso, devemos nos aprofundar na forma de enxerga-los e procurar entender se há satisfação na vida que eles levam. Se sim, ao percebermos qualquer sintoma do uso de droga, como o cheiro de maconha nos dedos (este demora muito tempo para desaparecer), olhos vermelhos, dilatados, sonolentos
ou arregalados, etc, podemos estar diante de uma situação de simples satisfação de uma curiosidade que não significa, necessariamente, um vício ou dependência. É como ouvir uma piada, você ri a primeira vez que ouve e na segunda vez não ri mais, porque já conhece. Se não, tome cuidado, pois pode estar havendo o encontro de um mundo de prazeres gigantescos que somente nos melhores momentos da vida sentimos. Sensações de felicidade, alegria, entusiasmo, bem estar ou alívio de esquecer as más emoções, que podem estar sendo adquiridas de forma prática, cujo preço é pago em dinheiro e risco.
2- Caso haja uma suspeita, como agir num primeiro momento?
R: Volto a dizer que não devemos assumir a postura de inimigos dos filhos, tente agir como se o problema fosse com você. Tente entender porque houve ou está havendo esta experiência e assim encontrem a solução juntos.
3- Como ajuda-lo? Dicas.
R: A droga pode ser vista como “fonte de prazer” mas, na prática, torna-se facilmente uma fonte de vontades inconscientes (vício) que podem se alastrar em outras atitudes da pessoa. Quero dizer que se treinarmos nossa personalidade para ser viciada, poderemos nos viciar em muitas coisas, como mentir, falar, beber, comer, dançar, sexo, etc. Chamamos de atitude compulsiva, que leva o indivíduo a não ser dono de si mesmo e ter dificuldades para evoluir diante da vida. Portanto, quando variamos nossas atividades e avançamos em nosso sucesso a nossa curiosidade aumenta e o prazer passa a ser gerado pela vida, pelo mundo e pela relação entre as pessoas. Quem não tem a oportunidade de experimentar as boas coisas do mundo acaba tendo que apelar para as reações químicas do organismo para sentir algo bom.
O amor, o sexo com quem se ama, o paladar, são exemplos disso. Mas e quem não tem nem isso? Se for idoso, vai entrar em depressão e encontrar desesperança com a vida. Mas se for jovem, a depressão vai ser substituída pela curiosidade e então alguma coisa vai ter que preencher os vazios, a falta
de prazer.
Possibilitar que haja satisfação, coisas boas, é uma grande solução para o problema das drogas. E são as pessoas evoluídas, os adultos, os pais que devem ser os “criadores de oportunidades”, não as crianças e os jovens. Quem administra o mundo não são eles.
4- Há como evitar que eles experimentem ou se tornem usuários de drogas? De que forma?
R: As consequências físicas e sociais das drogas são suficientemente convincentes para qualquer pessoa inteligente não querer. Apele para a inteligência deles, procure informá-los da realidade que ela mesma, por
si só, faz o trabalho.
5- Qual o papel do pai e qual o papel da mãe nesses casos? Há um culpado? Sim ou não e por que?
R: Os pais devem lembrar, mesmo não querendo, que filho não é um canarinho que a gente compra em lojas de animais e cria para nos distrairmos enquanto ele viver. Devemos respeitar o ser humano que está ali e permitir que tenha uma identidade.
Uma pessoa tem a obrigação de buscar seu próprio prazer. Se mal orientado, errará o caminho. Se não orientado, tentará todos até encontrar algum.
Será que podemos culpar a falta de criatividade do filho por experimentar drogas ao invés de encontrar as mesmas sensações causadas por elas nas atividades bem sucedidas da vida? O papel dos pais é ensinar, mais do que fornecer ou cobrar.
6- Como iniciar a conversa com o filho?
R: Havendo intimidade e confiança, tudo fica muito fácil. Sem estes ítens, tente usar os mesmos termos que vem usando normalmente, como se estivesse falando sobre notas na escola, assuntos familiares, etc. Não faça uma novela mexicana, pois isto irá estimular uma atuação teatral que só irá deixar a conversa superficial e trajicômica. A busca é encontrar a pessoa, a essência, para que a vontade de usar droga seja atingida e não a prática ou a atitude.
7- Quando se deve procurar ajuda profissional?
R: Caso não haja capacidade de resolver o problema pessoalmente.
Penso que é melhor ser humilde e buscar ajuda do que fingir que está resolvendo.
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